quinta-feira, 17 de junho de 2010

O Enigma dos Baldes - Capítulo 2


_Bom dia dona Gigi! – cumprimentou  cordialmente o jovem Bartô, com sua usual mochila aonde carregava as correspondências e seu carrinho com encomendas. Como Nossa Senhora da Comandaroba ficava afastada de todas as outras cidades, especialmente na época da cheia do rio, os habitantes pegaram o costume de estocar produtos, assim como o comércio, porém, alguns itens acabavam sendo esquecidos, ficando a cargo do correio esse serviço. – Hoje o céu está bem rosa, não é?
_Ai Bartô, você também! Já não basta o seu Ari me assustando com essa história, agora vem você! Mas essas encomendas são de quem?
_Uma é da dona Guda e a outra é pra escola. Mas fica tranqüila que eu levo as duas.
_Tá variando é moleque? Tu sempre leva todas as encomendas, é claro que vai levar as duas!
_E a Nôra, está lá? – perguntou Bartô, enrubescendo no mesmo instante.
_Tô falando que tu hoje dormiu com o bode, menino! Diacho de pergunta besta, é claro que Nôra tá na escola, não é onde ela sempre está?
_É, eu só perguntei porque...
_Porque é leso! Mas deixa de lero, me dê essas cartas e leve logo as encomendas. Aproveita e avisa Nôra que eu quero falar com ela no almoço, pra ela passar no correio antes de ir pra casa.
_Pode deixar, dona Gigi. Até mais tarde.
_Até. – despediu-se Gigi, enquanto se ocupava pegando a chave certa em meio ao molho para abrir a agência. Antes de abrir, porém, uma última olhada lhe arrepiou a espinha. – Céu rosa... virgem santa...
No outro extremo da rua, atravessando a praça, vinha o prefeito Frederico, com seus cabelos brancos esvoaçando enquanto se apressava para alcançar dona Gigi que ainda estava à porta dos correios, se perdendo entre colocar a chave e segurar a mochila com cartas.
_Dona Gigi! Ô dona Gigi!
_Espera aí! – gritava ela, sem olhar para trás, ocupada demais em sua própria confusão, que agora resultava em cartas caindo da mochila. – Mas tá com a peste!
_Dona Gigi!
_Não mandei esperar, infeliz! – gritou Gigi, enquanto girava nervosa e via quem era. – Seu prefeito, desculpa, não quis ofender, é que estou toda enrolada aqui!
_Deixe que te ajudo. – ofereceu o prefeito, finalmente alcançando-a e segurando a mochila enquanto ambos pegavam as cartas ao chão.
_Muito obrigada. Eu sempre acho essa chave só de tatear no meu bolso, mas hoje não tem Cristo! Nunca fui de ficar derrubando carta dos outros, diacho! – reclamava ela, ajoelhada junto ao prefeito, enfiando as cartas de volta a mochila.
_Pois é, mas hoje também o céu tá rosa...
_Ai seu prefeito, tu também! Seu Ari veio logo cedo com esse mal agouro! Mas me diga... – prosseguiu Gigi, finalmente encontrando a chave e abrindo a porta – Por que o senhor veio nesse desespero todo?
_Dona Gigi, eu fui logo cedo pra prefeitura, porque hoje é dia de doutor Coriolano chegar, e o homem chega junto com o cantar do galo, a senhora bem sabe. Pois hoje o galo cantou, tomou  café da manhã, cantou de novo, se bobear até dançou e eu lá plantado na frente da prefeitura feito mandacaru na seca e cadê o homem? Então como sei que a senhora também sai logo cedo e seu Bartô vem com notícias do mundo afora, vim perguntar se a senhora viu o doutor, ou se tem carta dele justificando o atraso.
_Olhe seu prefeito que hoje falei do mesmo com seu Ari, todos estranharam que o homem não havia passado cobrando os impostos ainda, e logo hoje, dia dele trazer o prêmio do festival, não é mesmo?
_Nem me fale, dona Gigi, que já me dá um revertério aqui no estômago, só de pensar!
_Mas calma, seu prefeito! Vamos entrar para eu poder verificar se tem carta dele.
Enquanto dona Gigi organizava as cartas, o prefeito ajudava abrindo as cortinas da agência, que era uma das construções mais antigas e conservadas de Nossa Senhora da Comandaroba.
_Olhe senhor prefeito, não querendo te atazanar mais que o já costumeiro, mas não tem carta nem bilhete nenhum daquele doutor não.
_Danou-se. Que será que aconteceu com o homem? Morreu foi?
_Não me alegre sem ter certeza, homem de Deus!
_Tem razão. – riu-se Frederico. – Até mais ver, dona Gigi.
_Até, seu prefeito.
_Dona Gigi...
O grito de Bartô na porta do correio fez Gigi dar um salto e jogar as cartas devidamente organizadas  para todos os lados.
_Bartolomeu Santos! Tá com a gota serena, homem de Deus! Quase me desencarnei agora de tanto susto!
_Ô dona Gigi, me perdoa, é que...
_É que... é que... deixa de pabulagem e faça o favor de me ajudar a pegar essas cartas. Já é a segunda vem hoje que derrubo as pestes! Será o Benedito?
_Ô dona Gigi, deixa eu falar, eu preciso falar com a senhora!
_Primeiro me ajude a recolher as cartas que é nosso dever como funcionários do correio, e depois tu desembucha!
_Mas é que...
_Fecha o bico e pega as cartas, Bartô!
Embora contrariado, Bartô saiu recolhendo as cartas apressado, recebendo severas repreendas de dona Gigi que insistia ao rapaz não amassar os envelopes.
_Pronto, dona Gigi. Agora será que a senhora pode me escutar?
_Agora fale, menino!
_Dona Gigi fui até a escola entregar a encomenda para Nôra, tu lembra?
_Não, eu sofro de amnésia matinal, tudo que escuto de manhã me vaza pelas idéias... é claro que lembro! Mas o que tem?
_O que tem é que quando eu cheguei lá e perguntei por Nôra, dona Lucinda, toda descabelada, me disse que Nôra faltou hoje e avisou logo cedo que não ia pois não estava se sentindo bem.
_Nôra fez o quê?
_Faltou na escola, disse que estava doente, mas eu achei foi muito estranho porque se a senhora, mãe dela, me mandou dar um recado pra ela na escola, é provado que não está sabendo do adoecimento de sua filha!
_Mas Nôra não estava em casa quando eu saí. Ela me deu tchau antes de ir trabalhar, como sempre faz!
_Pronto! Então onde se enfiou Nôra?
_Valei-me nosso senhor, Jesus Cristo! – disse dona Gigi, com a voz abafada de preocupação, passando por Bartô apressada até a porta, enchendo o peito para gritar, sendo interrompida por dona Marcileide, que passeava com uma trouxa de roupas na mão e um de seus vestidos floridos.
_Oi dona Gigi! Viu o céu hoje? Rosa...
_Ai meu Jesus! – assustou-se Gigi, gritando a plenos pulmões. – Nôra!

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