sábado, 5 de junho de 2010

O Enigma dos Baldes - Capítulo 1

Capítulo 01

_Dia de sol nascendo rosa não é dia bom. – profetizava Seu Ari sentado à porta de sua casa, na Rua 2, enquanto bebia seu café e observava o nascer da tal amaldiçoada estrela maior.
Embora não houvesse mais ninguém na rua para atestar se Seu Ari, de fato, estava certo; aquela sexta-feira dia 13 de junho de 1997 não começara de maneira convencional.
Pra começar, sexta-feira sempre se iniciava com o sino da Matriz anunciando às seis horas da manhã, e despertando toda a cidade. Porém naquela manhã, o sino tocara cinco vezes. Alguns estranharam; os mais jovens sequer contaram, e as irmãs Maria do Carmo e Maria da Conceição podiam jurar de frente à imagem de Nossa Senhora da Comandaroba, padroeira da cidade, de que o sino badalou seis vezes, e quem escutou cinco deveria rezar mais.
Depois das badaladas, as crianças começavam a se dirigir à Escola Estadual Antônio Conselheiro entre as 6 e 30 até as 7 horas, quando os portões se fechavam. Nos portões da escola, sempre ficavam a Tia Nôra e dona Lucinda, inspetora da escola, recebendo os alunos. Naquele dia, porém, tia Nôra não estava.
_Ela não está se sentindo bem hoje, Clarabela dará aula nas turmas dela. Ela não está se sentindo bem hoje, Clarabela dará aula nas turmas dela. – repetia dona Lucinda para todas as mães e alunos que a questionavam, enquanto segurava os cabelos brancos encaracolados que esvoaçavam com o forte vento daquela manhã, outro fato estranho para o meio de junho, quando geralmente o dia amanhecia seco.
_Euráclito! Euráclito, não se faça de surdo, menino! Tu me escuta, não se faça de lesado! – gritava dona Guda, correndo com seu corpulento físico, ainda de bobes nos cabelos e seu pijama de margaridas. – Euráclito!
_Que é mãe? – emburrou-se o rapaz de boné e pele bronzeada, virando bruscamente.
_Olhe como tu fala com tua mãe, seu bosta! – bronqueou dona Guda. – Primeiro que já te disse que não se usa gorro na escola. – confirmou tirando o acessório da cabeça do menino. – Segundo que...
_Ô mãe, deixa eu usar o boné! Olha só meu cabelo, como tá! – apontou Euráclito o assanhado topo de sua cabeça.
_Passe goma, banha, sabão, penteie debaixo da lua, mas gorro tu não usa! E segundo que eu quero saber se tu pegou meus pincéis?
_Peguei mãe, que hoje tem aula de artes.
_Me devolva. Devolva que hoje a noite é o Festival dos Baldes e preciso retocar o meu!
_Mas mãe, e eu pinto com o quê?
_Com o dedo, que tu tem logo dez, mas com meus pincéis que não vai ser! Além do mais, não te comprei um pincel ano passado? Cadê-lo?
_Perdi.
_Procure nos estojos dos coleguinhas, mas meus pincéis voltam comigo! – concluiu Guda, estendendo a mão. – Anda, dê!
Controverso, Euráclito abriu a mochila e devolveu os pincéis à mãe, que reparou no mesmo instante a ausência de tia Nôra, indo perguntar a uma já irritada dona Lucinda, que respondeu sem pestanejar:
_Não ta vendo que ela num tá! – E ao se virar, encontrar o olhar perplexo de Guda. – Virgem Santa, dona Guda, me perdoe, achei que era outro aluno me apoquentando. Nôra acordou se sentindo mal, não vem hoje.
_Entendo, depois visito ela pra ver, agora licença, dona Lucinda, bom trabalho pra senhora.
_Agradecida, dona Guda.
_Ô dona Guda! – gritou José Carlos, um dos amiguinhos de Euráclito, quando esta já ia se dirigindo para sua casa, na Rua 3. – Só porque hoje é sexta-feira 13, dia de mau-assombro, a senhora decidiu sair vestida de bruxa, foi?
_Como é que é José Carlos? – gritou revoltada, girando as canelas para o rapaz e ficando vermelha feito tijolo, enquanto as demais crianças riam. – Seu desavergonhado, venha cá!
Mas antes que esta o alcançasse, o menino havia corrido para dentro da escola.
_Hoje ainda vou à casa de dona Patinha falar o que esse traquino fez!
_Faça isso não, mainha! Joca é meu amigo! – pediu Euráclito.
_Faço não... Vai ver só! – resmungava dona Guda enquanto saía serelepe para sua casa.
Ainda naquela manhã, outro fato fugia do costume da cidade. Àquela sexta-feira de junho, período em que o rio estava secando, era quando a cidade celebrava o Festival dos Baldes, quando as donas de casa enfeitavam grandes baldes e concorriam a um prêmio dado pelo governo, representado pelo doutor Coriolano, que sempre na manhã da festa colocava o prêmio trazido em frente à igreja, para apreciação de todos. Naquela manhã, porém, doutor Coriolano ainda não havia dado as caras pela cidade, gerando um bochicho geral, afinal de contas, a ausência do prêmio resultaria no adiamento do festival, e isso nunca acontecera na história de Nossa Senhora da Comandaroba.
_Ô seu Ari... – chamou dona Gigi, sua vizinha, que saía em direção a seu correio.
_Dia, dona Gigi.
_Ficou sabendo que doutor Coriolano não deu às caras ainda na cidade?
_Ouvi dona Guda falando pra dona Diadira quando atravessavam a rua.
_Estranho. O homem sempre vem cedo de sexta-feira pra extorquir nossas merrecas. Hoje nem as fuças meteu. Será que morreu, foi?
_Se morreu não sei, só sei que o céu acordou rosa.
_E o que o rabo tem a ver com as calças, seu Ari?
_Céu que nasce rosa anuncia desastre, dona Gigi.
_Virgem Maria Santa, não fala isso seu Ari, que até me arrepia! Mas deixa eu abrir meu correio que estou vendo que Bartô chega já com as cartas. Até mais ver, seu Ari!
_Inté... – despediu o velho, fazendo anotações em seu caderninho – Coriolano não apareceu... Céu rosa... Hoje tem rebosteio...

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