terça-feira, 27 de julho de 2010

O Enigma dos Baldes - Capítulo 5

Capítulo 5

_E foi isso, minha mãe, eu só precisava de um pouco de ar...
_Espera um pouco, Eleonora, que essa história tá muito mal contada. Primeiro, o que tu foi fazer na casa de dona Catita logo cedo?
_Eu não visito a mulher toda semana, minha mãe? Não sou a única que ela deixa arrumar a caixinha de remédios dela e fazer a comida pra ela?
_É, mas tu sempre fazia isso de tarde, depois da escola!


_Eu sei, mas acontece que da última vez que a visitei, ela se queixou que fazia tempo que não tomava um café da manhã fresquinho, só requentava o que eu deixava congelado pra ela. Eu fiquei com dó, poxa vida, e decidi passar lá pra levar um café fresquinho com umas broas!
_Sei... mas tu podia ter me avisado que ia lá!
_E agora sou menina-moça que precisa ficar dando o mapa de suas andanças?
_Não é isso, é que... mas por que tu passou mal?
_Foi como eu disse minha mãe, logo depois do doutor Coriolano sair, eu senti uma tontura, uma pressão aqui no peito, não sabe? Deve ter sido a pressão, sei lá! Ai que eu decidi tomar um ar atrás da casa de dona Catita, ela tem um jardim tão bonito, como a senhora bem sabe, e acho que ela nem se deu conta que eu estava por lá, mandei o recado pra Lucinda, que passava pela rua quando me senti mal, fui pro jardim e acabei adormecendo!
_Mas minha filha, porque tu não foi ver o doutor Juvenal, se passou mal desse jeito!
_Ai minha mãe, primeiro que foi uma tontura besta, e segundo que a senhora sabe que não confio em doutor Juvenal, ninguém sabe direito aonde esse homem estudou medicina e nem qual sua especialidade.
_Ele é clínico geral.
_Numa cidade deste tamanho ele só podia ser clínico geral. O homem faz parto, extrai tumor cuida de criança e de velho... ainda vá lá, mas receitar tomar chá de losna virado pro sol foi demais pra minha crença!
_É... mas Nôra, tu viu mesmo doutor Coriolano?
_Claro, ele sempre começa a cobrar o diabo do imposto pela casa de dona Catita, atendi e paguei, por quê?
_Pois tu foi a única que viu... o homem sumiu, ninguém tem notícia!
_Jura? Que estranho... ele parecia bem, nervoso, mas isso é de costume...
_No...no...no...Nôra!
_Bom dia, cabo Epaminondas!
Epaminondas vinha correndo pelos corredores da escola destrambelhado, fazendo os cartazes dos alunos nas paredes se descolarem.
_Que bo...bom que vo...vo...vo...você está be...bem!
_Obrigada, Epaminondas!
_O Cló...Cló...Cló...
_Esse bicho parece uma galinha! – satirizou dona Gigi.
_O que o Clóvis quer?
_Que tu vá falar com o delegado... – soltou Epaminondas num fôlego só.
_Diga a Clóvis que eu vou terminar minha aula e logo depois passo na delegacia, tudo bem?
_Tá...tá...tá...tchau. – despediu-se Epaminondas, voltando no mesmo ritmo que entrou.
Gigi se despediu de sua filha, a liberando para sua turma que já estava completamente descontrolada, gritando, jogando papeizinhos e cantando, parou rapidamente para explicar a um assustado padre Luís que estava tudo bem com sua filha e voltou para seu correio, cruzando com o alto e simpático Petrônio, filho de dona Guda, que ia na direção da praça com o megafone da prefeitura nas mãos.
_Bom dia dona Gigi!
_Dia, Petrônio!
_Soube que Nôra apareceu, está tudo bem?
_Graças ao bom Deus!
_Amém! Dona Gigi, se tiver carta pra prefeitura, eu pego daqui a pouquinho, tudo bem?
_Claro, Petrônio! Tem recado pra dar pro povo é?
_E quando é que eu saio daquela prefeitura pra outra coisa, dona Gigi? – perguntou o rapaz, dando uma gargalhada e se dirigindo ao coreto da praça.
Primeiro ele apertou um botão do megafone que imitava o som de uma sirene, já chamando a atenção das casas mais próximas.
_Atenção povo de Nossa Senhora da Comandaroba, atenção! Eu preciso que pelo menos um morador de cada casa venha até aqui para alguns informes importantes. Repito, preciso de pelo menos um morador de cada moradia. Peço que chamem seus vizinhos e o aviso será dado em 10 minutos.
O tempo oferecido por Petrônio foi grande, em vista do alvoroço que se tornou a saída de gente de todas as casas e comércios da cidade que se dirigiam freneticamente ao coreto. Dona Guda era a mais apressada, passava por um e por outro, se justificando...
_Eu sei que é meu filho que dará o recado, mas eu acho importante estar presente.
_Se curiosidade matasse... – comentou maldosamente Maria do Carmo quando Guda deu sua desculpa.
_A senhora e sua amiga estariam mortinhas, dona do Carmo! – revidou Guda, que se prostrou bem na frente, já cochichando para Petrônio do que se tratava aquilo tudo.
_Espere um pouco minha mãe, a senhora saberá junto com todos!
_E qual a vantagem de ser mãe do secretário do prefeito se nem um informe posso ter antes dos outros?
_Se aquiete, minha mãe!
Irritada, dona Guda esperou assim como todo o resto a chegada de todos os representantes de cada uma das casas ao redor.
_Estão todos me ouvindo bem? – perguntou Petrônio sem o megafone, uma vez que o povo se silenciou, e não eram muitos mesmo. Como ninguém se queixou de não tê-lo ouvido, este prosseguiu. – Caros cidadãos, eu venho em nome do prefeito para esclarecer algumas questões que andam sendo erroneamente espalhadas pela cidade, não é mesmo, Marias?
Petrônio precisou esperar os risos de todos e os protestos das Marias, indignadas com tamanho absurdo.
_Pois bem, pois bem. – disse Petrônio, reconquistando o silêncio de todos. – primeiramente quero confirmar o fato de que doutor Coriolano, representante do governo não passou mesmo na prefeitura e pelo que me parece nem em vossas casas...
_Parece que ele passou na de dona Catita... – informou Maria da Conceição.
_Certo, ainda não temos essa informação, mas aproveito que todos estão aqui para confirmar. Ele passou na casa de algum de vocês?
Após uma série de “nãos”, Petrônio continuou.
_Como todos sabem, além de recolhedor de impostos semanais, doutor Coriolano é quem traz, anualmente, o prêmio do Festival dos Baldes. Portanto ainda não temos em nosso poder o prêmio desta noite. Mas isso não significa, eu repito, não significa que o festival será cancelado. Daremos sequência no evento e a vencedora desta noite receberá seu prêmio assim que doutor Coriolano ou qualquer outro membro do governo o trouxer.
Todos acharam tal procedimento correto, inclusive uma animada dona Guda, que dava saltinhos.
_Mas e se ninguém aparecer com esse prêmio? Afinal, tirando doutor Coriolano, ninguém mais dá as caras por aqui na seca. – comentou Seu Alfredo, o padeiro gorduchinho de bochechas rosadas, um dos mais brancos da cidade, pois mal saía de sua padaria.
_Bom Seu Alfredo, claro que, se doutor Coriolano não der as caras mesmo, a prefeitura tentará se comunicar com algum órgão de Brasília. Mas claro que a vencedora não ficará esperando. Caso o prêmio não chegue dentro de um mês, a prefeitura dará o valor de seus impostos não-recolhidos como prêmio em dinheiro.
Os cochichos de aprovação foram se transformando num verdadeiro falatório. Todos concordavam que dinheiro era muito melhor que qualquer outro utensílio doméstico geralmente oferecido.
_Pois bem, pois bem. Agora que todos sabem como funcionará o evento, estou aqui com meu caderninho – Petrônio puxou teatralmente um caderno do bolso de seu paletó – e preciso recolher os nomes das candidatas que trarão seus baldes para o festival. Então por favor, façam a fila na minha frente para eu poder anotar os nomes.
Atrás de dona Guda, que grudou na grade do coreto e dizia veementemente “a fila é aqui!”, formou-se uma fila bem maior que as oito mulheres que convencionalmente participavam do evento.
_Mas que diabo é isso? – perguntou dona Guda, assustada.
_Ah dona Guda, esse ano vale dinheiro, né? – justificou dona Araci, viúva de quarenta e poucos anos (ninguém sabia ao certo) que morava na rua 4 e era conhecida por dar umas sumidas na época da seca.
Após as vinte e cinco pessoas darem seus nomes, todos correram para suas casas desesperados, alguns passando nas lojas para comprar tintas e tecidos, afinal de contas muitos não se prepararam para participar do festival. Dona Guda mesmo parecia estar prestes a ter uma síncope. Tremia a pálpebra esquerda, batia com o pé direito, enquanto murmurava coisas para si mesma.
_A senhora está bem, minha mãe? – perguntou Petrônio.
_É o céu, Petrônio! Tá rosa! – guinchou dona Guda, voltando para sua casa num pé só.
Da sacada de seu quarto, Amadeus Nivolin observava o coreto pela fresta da cortina, enquanto doutor Coriolano tentava soltar a mordaça.

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