sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Enigma dos Baldes - Capítulo 4

Capítulo 4

_Mil Novecentos e Setenta e Quatro, eu tenho certeza. – dizia dona Catita alegremente, na pequena abertura que fez em sua porta para dona Gigi.
_Dona Catita, pela quarta vez, eu só quero saber se minha filha, Eleonôra, veio aqui na sua casa!
_Dionísio trocou essa porta em mil novecentos e setenta e quatro, eu tenho absoluta certeza! – repetiu dona Catita, calmamente.
_Com todo respeito, dona Catita, não me interessa em que ano o falecido doutor Dionísio trocou a porta, a janela, a cueca! Eu só quero saber... – dona Gigi respirava profundamente, tentando conter os ânimos - ...se hoje, por acaso, alguém veio lhe visitar!

_Eu mesmo disse pra Dionísio que eu queria uma porta vermelha, robusta, não sabe? Mas ele disse: Cata, meu bem, eu prefiro de madeira clara, uma cerejeira... era teimoso, Dionísio...
_Nôra! – gritou dona Gigi, não se contendo mais, pelas frestas entre dona Catita e a porta.
_Quê isso, dona Gigi! Eu sou Catita, CA-TI-TA... está variando?
_Estou, dona Catita, e a senhora me perdoe o incômodo, até mais ver!
_Até, e mande um abraço pra Nôra, tão atenciosa comigo hoje logo cedinho...
Gigi girou nas canelas e parou, estupefata, encarando a velha, tentando parecer coerente com suas palavras.
_Nôra veio aqui?
_Sim, logo cedo, ela estava comigo quando o doutor Coriolano chegou, pra cobrar o imposto, não sabe? Aí ela pegou meu dinheiro, e pra não ter o incômodo, ela mesma pagou o homem, e saiu logo em seguida por esta mesma porta, que Dionísio, não sei se lhe disse, colocou...
_Em 1974, eu sei! – concluiu Gigi, saindo esbaforida. – Agradecida, dona Gigi!
Gigi voltava para seu correio com uma confirmação e uma aflição a combater em sua cabeça. Saber que Nôra estava bem de manhã era uma coisa certa, mas saber que ela e doutor Coriolano estiveram no mesmo local e agora ambos estão desaparecidos era preocupação demais. A preocupação de Gigi era tanta que ela mal percebeu que Horrára corria em sua direção, gritando por seu nome.
_Dona Gigi! – se esgoelava a menina de belos cabelos castanhos levemente ondulados e uniforme escolar, com a camiseta justinha branca e o shorts azul-marinho.
_Horrára, menina, você não deveria estar no colégio?
_Eu meio que to.
_Como assim, “meio que tá”.
_Eu tava na educação física, e dona Lucinda me pediu pra te procurar pra avisar que Nôra tá lá na escola. – falou a menina, aos fôlegos.
_Mentira!
_E tu acha que eu ia correr nesse rebosteio todo pra mentir, dona Gigi? Bora pra escola?
_Bora!
E as duas saíram num passo apressado, tão apressado que Gigi se esqueceu de avisar aos cabos Clóvis e Epaminondas, que passaram por elas, a caminho da rua 4.
_O Clóvis, a dodona Gigi passou pra pra pra...
_Pra lá, Epaminondas, eu vi. E estava com Horrára. Sera que Nôra apareceu na escola?
_A gente po po podia dar uma avera...averi...avore...
_Averiguada... já te falei pra não tentar usar palavras compridas, Epaminondas!
_Mais co...co...compridas que meu própróprio nome, Clóvis?
 E rindo, os dois saíram em direção a escola, cruzando com Maria do Carmo e Maria da Conceição, que carregavam flores.
_Bom dia dona Maria da Conceição. – Cumprimentou Clóvis, gentilmente, segurando o seu cap.
_Bom dia, oficial Clóvis. – cumprimentou a ruborizada Conceição.
_Bo..bo...bo...bo...
_Bom dia pro senhor também, seu Epaminondas. – cortou rispidamente Maria do Carmo, deixando o cabo corado. – Vamos Conceição, temos muito a fazer.
_Já encontraram Nôra, oficial Clóvis?
_Tudo indica que ela apareceu na escola...
_Estamos indo lá averolinguar...
_Fazer o quê, Epaminondas? – perguntou do Carmo.
_Checar. – corrigiu Epaminondas num fôlego só.
Enquanto os dois policiais, com um aceno, saíam em direção à escola, as duas Marias subiam frenéticamente as escadarias da igreja, procurando o padre Luís.
_Parece que Nôra apareceu na escola, padre Luís. – disse Maria da Conceição rapidamente.
_Louvado seja Deus! – agradeceu o padre.
_Dizem que toda arrebentada. – completou Maria do Carmo.
_Meu Deus! Alguém sabe por quê?
_Não, padre, mas dizem que ela não consegue falar e está toda cheia de sangue! – respondeu Conceição.
_Cristo redentor! Olha, vocês duas vão arrumando essas flores, eu vou na escola ver o que aconteceu com Nôra. Volto logo. – despediu-se padre Luís, saindo num pé só em direção a escola.
_Pronto, Conceição. Agora é só esperar que o padre descobre o que aconteceu.
_É do Carmo, porque longe de mim espalhar mentira por aí.
_Longe de nós...
_Ela está na sala de aula, assumiu a turma dela e mandou Clarabela descansar um pouco. – disse dona Lucinda para Gigi, quando esta chegou toda destrambelhada na escola.
_É na sala três, não é?
_É sim, dona Gigi, mas ela pediu... – Lucinda concluiu a frase para si mesma, uma vez que Gigi passou feito um relâmpago por ela - ..pra não ser incomodada...
Ouvindo a voz calma e maternal de Nôra, recitando alguns problemas para seus alunos, Gigi invadiu a sala, assustando os alunos e a professora, que se levantou de um salto.
_Mamãe?
_Nôra, saia da sala, preciso falar contigo.
_Mas mamãe, eu não posso deixar meus alunos...
_Mande eles fazerem a tabuada do 1 até... até o último número que tiver!
_Os números são infinitos, mamãe...
_Pronto, é tempo suficiente!
E sem argumentos, Nôra saiu da sala, fechando gentilmente a porta.
_Eu posso saber aonde diacho a senhorita se meteu?

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