quarta-feira, 21 de julho de 2010

Crítica - Espetáculo Gypsy - São Paulo

Por um Mundo Cor de Rose


Eu costumo dizer que descobri o teatro duas vezes na minha vida. A primeira foi quando assisti uma peça infantil, bem pequenino, e me senti entorpecido pela história daquelas pessoas fantásticas cujos rostos desconhecidos em poucos minutos se tornaram familiares e queridos por mim, e a segunda vez foi quando assisti meu primeiro grande musical, Chicago, que estava em cartaz em São Paulo e, com a empolgação do filme, fui conhecer a versão ao vivo. Meus caros amigos leitores, com essa experiência posso confirmar que nada, absolutamente nada se compara a assistir um musical na sua casa, em DVD, ou mesmo no cinema, e ver o mesmo num palco, ao vivo, pulsando emoção e intensidade. Eu mesmo tenho vários amigos e amigas que não gostavam do gênero musical no meio cinematográfico e quando convidados, por muita insistência minha, a assistir um espetáculo musical, tiveram que rever seus conceitos, atingidos pelo pó de pirilimpimpim que tais obras lançam em seus admiradores, que se permitem durante 2 a 3 horas embarcar tão profundamente naquele universo, que o fato de uma pessoa parar de falar e passar a cantar para expressar suas emoções torna-se natural, o que para muitos, num filme ficaria "forçado" ou inverossímil. 
Eu sempre gostei de musicais. Mesmo os clássicos antigos como Sete Noivas para Sete Irmãos, Cantando na Chuva, Mary Poppins, A Noviça Rebelde, My Fair Lady, Funny Girl... tenho uma admiração pela grandiosidade que essas obras ganharam ao sair do palco e ganhar a telona e como elas não só marcaram uma época, mas até hoje são uma aula de como contar histórias bonitas, e muitas vezes reais, de uma maneira quase mágica e tão belamente artística.
Talvez por ter esse fascínio pelos clássicos e por uma época aonde o mundo se permitia menos ataques e mais momentos de prazer, fiquei incomodado quando o mundo dos musicais foi recebendo influências dessa cultura mais pesada, mais abusada e até mesmo com o propósito de abrir os nossos olhos, tirar o pó de pirilimpimpim e gritar "nada pode ser tão feliz assim". Foi quando obras como Miss Saigon (inspirada na ópera Madame Butterfly), O Médico e o Monstro, Sweeney Todd começaram a chamar a atenção, não que ache-os musicais ruins, não, respeito demais e são belamente interpretados e montados, mas não fazem meu gênero, me incomoda aquela tristeza, aquele pessimismo, não suporto que a magia da alegria seja destruída. Repito, é algo meu, diferente de Chicago, que é "moderno" mas mantém um tom festivo na desgraça, o que acho divertidíssimo. Depois vieram peças mais modernas ainda, como Hair, Godspell, Rent... e aí eu fui ficando nervoso com tamanha invasão e temas tão pesados sendo tratados em palcos que outrora receberam uma babá voadora e uma professora que se apaixona por um rei.
Apesar de controverso, assistia as obras mais "realistas" pra ver se mudava meus conceitos, que só foram mudar com o excelente O Despertar da Primavera, cuja opinião já postei aqui. E quando começo a aceitar o Novo Musical, Charles Möeller e Cláudio Botelho trazem Gypsy... e eu volto a estaca zero.

Pra quem não conhecem a história, Gypsy é um musical clássico, montado várias  vezes, inclusive nos cinemas, teve como intérpretes grandes atrizes como Patty LuPone e Bette Midler no papel de Mamma Rose, mulher que sonhava em ser uma artista do Teatro de Variedades (estilo teatral com shows musicais, comédia, danças) mas estando velha para tal decide investir todo seu esforço para transformar a filha Baby June numa grande estrela. Daí seguimos a determinação dessa mãe, o sucesso da filha, que lembra muito o estilo Shirley Temple que ficou famoso mundialmente, e como ela ignora sua outra filha, Baby Louise, que serve de simples corista nos grandiosos números da irmã. A peça ganha força quando as meninas crescem e, pressionadas pela insistência da mãe de que elas devem continuar se apresentando como crianças... bem, eu paro por aqui, não quero estragar as surpresas de quem não conhece a trama.
A peça é muito bem dividida em seus dois atos, sendo o primeiro quase um festival infantil, mas feito de uma maneira leve e de tal graça pelos atores que o tom farsesco fica divertidíssimo ver aquelas talentosas crianças de vozes esganiçadas e manipuladas pela meticulosa Rose, e quando esses crescem e nos deparamos com rapazes e moças de dezoito anos, dançando e cantando ainda como crianças fica mais divertido ainda. Como disse, o feito está nos artistas que o fazem. Destaco aqui a atriz (me recuso a usar o termo atriz-mirim, atriz é atriz e ponto) Larissa Manoela, assim como suas alternantes Izabely Tomazi e Thaynara Bergamim e suas estriônicas Baby June, que conseguem roubar a cena e se tornam constantes motivos para gargalhadas do público. Sua voz é tão aguda e irritante que é usado como ponto de comédia, muito bem usado, por sinal, e a atriz compra a idéia e entra ligada num 220 delicioso. Vale destacar a doçura que as atrizes Isabella Moreira, Juliane Oliveira e Marcella Calixto colocam em sua Baby Louise apagadinha, mas com uma pureza no olhar que comove a todos.
Quando crescem, mais uma vez somos tomados pela diversão de Baby June, agora feita pela atriz Renata Ricci, que precisa manter a voz aguda de quando tinha 8 anos, usar a mesma peruca de cachinhos e figurino estilo "Maísa - apresentadora do SBT" e nos reserva momentos hilários em sua dedicação a ser a mesma Baby June. Louise cresce e ganha o corpo e o talento de Adriana Garambone, que conheci como Roxie em Chicago e só veio mostrar que o tempo lhe fez muito bem. Adriana tem um presente nas mãos, uma personagem que vai da timidez e do descaso ao glamour, e faz isso de maneira competente, numa transição perfeita, claro que apoiada por canções e figurinos que dão o tom ideal. Essa passagem é sustentada pela aparição de um trio de strippers (as atrizes Liane Maya, Sheila Matos e Ada Chaseliov) que não ouso destacar uma ou outra, as 3 dão um show com seu timing cômico na medida certa e um desprendimento moral que fica bonito de se ver! E Adriana vai de coadjuvante a estrela com força, potência, voz limpa, atingindo tons que fluem perfeitamente com a orquestra e um brilho ascendente que a leva de Louise a Gypsy Rose-Lee lindamente. 
Como presença masculina, temos o bailarino Tulsa, feito por André Torquatto, que mesmo tendo sofrido com o microfone na pré-estréia, manteve o tom, a potência e se destaca, ainda que numa personagem que pouco aparece, e o destaque fica nas mãos de Eduardo Galvão, o par romântico de Rose, Herbie, num papel humilde, levemente desajeitado e comovente, musicalmente pequeno, mas a peça também não exige tanto desse.
Gypsy exige muito é de sua personagem principal, Mamma Rose. Mas quando digo muito, é MUITO mesmo, caro leitor. Rose é a força motriz da peça toda, é a representação da dedicação, da força de vontade, da teimosia, por vezes da incoerência, e precisava de uma atriz com carisma suficiente para não permitir que o público se virasse contra essa mãe-de-miss que usa suas filhas para subir na vida. E Moeller/Botelho encontraram a atriz certa. Totia Meireles não rouba a cena, ela É a cena. Sua Mamma Rose é intensa, é hilária, é voraz em seus sonhos tão repetidamente falados, é o amor e a gana em mesmo tom, é a prova de que temos artistas que mereciam uma arte maior de que a que nosso país lhes oferece, e graças a todos os santos e anjos Totia teve Moeller e Botelho para lhe abrir essa oportunidade. Já havia visto Totia em Garota Glamour, mas nem se compara a grandeza e a beleza de sua Mamma Rose. Sei que Totia pode nunca ler essa crítica, mas quero deixar aqui registrado que em minha modesta opinião, ela superou Midler e LuPone facilmente. 
E é por esses artistas que Gypsy se transforma em um espetáculo grandioso, mágico e divertidíssimo. Alguns podem achar o final vazio e ligeiro, como muitos acharam de My Fair Lady, mas quero lembrar o leitor que ambas obras vieram de uma época no qual o final "e a vida segue daí" era muito comum na época. Os filmes, livros e peças não concluíam a história completamente, deixando o restante para a imaginação das pessoas e para o futuro contar. Temos E o Vento Levou como principal exemplo disso. Eu particularmente não me incomodei com o fato, achei poético e bonito. A adaptação musical de Cláudio Botelho consegue seguir o ritmo já comentado aqui dos dois atos, tendo rimas infantis e por vezes bobas nas canções do primeiro ato, como na canção "Carneirinho", mas que ornam perfeitamente com o momento da peça, e mais abusadas e sensuais na segunda parte. Os bailarinos são um show à parte, sapateados belamente realizados, além da inteligente solução de mudança de cenários permeados por uma "travessia sapateada" feita por crianças e adultos cheios de carisma.
Enfim, peço desculpas se minha crítica ficou grande demais, caro leitor, mas Gypsy é isso mesmo. É grandiosidade, é diversão é mágica e é a família retratada em suas paixões, desilusões e voltas-por-cima. Aliás, a volta por cima é a base dessa história real, laureada no final com uma canção de nome "Rose's Turn" (A virada de Rose) e eu voltei pra casa acreditando nesse mundo mágico, esse mundo cor de Rose, com o coração preenchido de alegria e forrado de pó de pirilimpimpim. E que venha Hair da dupla Möeller/Botelho pra me fazer voltar ao mundo real.

2 comentários:

Totia Meireles Oficial disse...

Olá.Posso colocar uma parte da sua crítica no Blog Oficial da Totia? Achei lindo o que você falou dela e merece destaque! Posso?

Raphael Gama disse...

Fique a vontade! Gosto quando as pessoas citam meu blog eu suas páginas! Faço pra que a palavra se espalhe mesmo!