quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O Enigma dos Baldes - Capítulo 6

Capítulo 6

_Parece que tudo voltou ao normal pela cidade. – comentou Amadeus, dedilhando algumas notas no velho piano de seu pai.
_Eu trouxe o café. – anunciou senhor Onofre ao abrir a porta da sala de estudos escura, rodeada por prateleiras com livros e o imponente piano ao centro.
_Ah, obrigado meu pai. Você aceita, Coriolano? – ofereceu cordialmente Amadeus ao homem ainda amordaçado e relutante, que o retrucou com um olhar fugaz. – Ora Coriolano, não se faça de rogado. Seja um bom rapaz e eu deixo tomar um pouco de café.

Amadeus esperou até Coriolano parar de se remexer e abrandar o olhar para lhe remover a mordaça e colocar café em sua boca.
_Ah, diabos! – xingou Coriolano – Está quente!
_Eu disse que era café, não sorvete. – satirizou Amadeus, mexendo delicadamente a xícara com seus finos dedos.
_Ora seu moleque borra-botas fracassado, deixe de bancar o Sherlock Holmes do agreste e me tire daqui agora!
_O senhor chamou meu filho de quê? – revidou Onofre, levantando-se efusivamente de uma poltrona próxima ao piano.
_Acalme-se, meu pai. Praguejar é uma reação comum de velhos ignorantes, não é mesmo, Coriolano?
_É DOUTOR Coriolano, seu bostinha...
_Doutor de quê? Posso saber em qual área tirou seu doutorado?
Após um constrangedor silêncio, Coriolano murmurou:
_Não devo satisfações a um músico fracassado...
_Agora basta! – urrou Amadeus. – O senhor não se faça de desentendido, de vítima, pois sabe muito bem o que o trouxe até aqui.
_Se você me explicasse, ficaria mais fácil e não teria pra quê me prender feito uma besta...
_Mas prendemos porque é uma besta mesmo! – completou Onofre, sem se dar o trabalho de olhar para Coriolano.
_Senhor Onofre, muito me surpreende sua atitude de defesa a esse ato de rebeldia desmedida! Ora cebolório, nós somos amigos de longa data!
_A amizade é um amor que nunca morre, já dizia Mário Quintana, e se tem uma coisa que ninguém desta cidade sente por você, Coriolano, é amor.
_Você vai ver só, me segure mais um pouco e vai ser feito o rebuliço para me localizarem.
_Para seu governo, Coriolano, a cidade já fez um rebuliço para encontrar Nôra, nossa professora que estava sumida. Do seu desaparecimento todos já se deram conta, mas ninguém levantou um tapete sequer para checar se você estava debaixo. Então se fosse você não contava vitória sem antes analisar de que lado você está.
_Eu sempre fui tão bom para esta cidade...
_Mentira! – se irritou Amadeus. – E eu já sei de tudo! Eu sei muito bem do seu grande crime, “doutor” Coriolano. E é exatamente por isso que te trouxe aqui.
_Você sabe... sabe de quê, moleque? Está variando?
_Ah, vai se fazer de leso? Então está certo, eu te solto, mas desço junto, vou até o coreto e conto tudo!
_Tudo o quê? – bradou Coriolano.
_Tudo o que você tem aprontado nos últimos trinta anos. Cada detalhe. E aí eu não vou precisar sujar minhas mãos contigo que o povo fará isso por si só.
O silêncio que se prosseguiu parecia servir de fundo musical para todos os pensamentos que se confrontavam na mente de Coriolano. Até que secamente, ele disse:
_O que você quer?
_A verdade. Eu quero que você hoje, na hora de dar o resultado do vencedor do Festival dos Baldes, confesse todos os crimes. Se você fizer isso, terá uma cidade revoltada, mas lhe garanto que como tudo o que acontece em Nossa Senhora da Comandaroba, daqui não sairá. Caso contrário, eu espalharei a notícia.
_Ora, pode espalhar, que diferença faz?
_A diferença é que eu não espalharei pela cidade. Eu espalharei pela imprensa do país inteiro. E logo este ano, que é ano eleitoral. Imagino que você seja candidato a deputado, como de costume.
_Você não seria capaz...
_Eu fui capaz de te prender aqui, não fui? Eu sou um dos poucos dessa cidade que viajaram por este país, assim como meu pai, que foi um grande pianista e ainda tem muitos contatos importantes. Você é quem sabe, Coriolano.
_Eu vejo que não tenho muita escolha.
_Não tem mesmo. A minha vontade era te levar até a praça e forçar a cidade a te linchar. Mas felizmente, pra você, a minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca. Então você tem até a noite para decidir como dará a notícia e como buscará fugir depois disso. Mas pense bem, Coriolano.
_E eu posso saber como eu vou explicar pro povo que eu fiquei em sua casa até agora e não passei cobrando os impostos?
_Diga que veio pedir a meu pai se ele poderia tocar no casamento de uma sobrinha sua, e acabou ficando para almoçar conosco. O povo não questionará. E quanto aos impostos, diga que hoje não recolherá e a noite explicará o porquê.
_Está certo. Agora pode fazer o favor de me soltar?
_Como quiser, “doutor”.
Amadeus soltou as amarras quase que orquestradamente, lhe entregando lentamente o casaco e o chapéu. Coriolano os pegou e se arrumou apressado e visivelmente incomodado, saindo furtivamente escada abaixo.
_Será que ele vai abrir o bico, meu filho?
_Ele que não seja louco de não fazê-lo, meu pai.
_Não sei não, hoje o dia não está pra acabar bem.
_Por que diz isso, meu pai?
_Olhe o céu... está...
_Rosa. – completou Amadeus, olhando pela janela, enquanto Coriolano atraía a atenção de todos ao aparecer na rua.

Nenhum comentário: